Luis Nassif.
Os cabeças de planilha. Rio de Janeiro: Ediouro, 320p.
Neste livro, reconstituo o inÃcio do Plano Real e a maneira como o plano foi adaptado para permitir gordos lucros para instituições financeiras ligadas a alguns dos formuladores.
A intenção do livro foi menos a de fazer um escândalo, mais de abrir os olhos para um fenômeno pouco perceptÃvel para a maior parte da opinião pública: a maneira como conceitos econômicos são manipulados, para benefÃcio de alguns grupos ou pessoas.
A economia não é ciência exata. Há muitos caminhos teóricos alternativos para a definição de polÃtica econômica. Além disso, os efeitos das medidas econômicas não são facilmente mensuráveis, como, por exemplo, um cálculo de engenharia. Medidas tomadas hoje podem resultar em desastres daqui a alguns anos. E, muitas vezes, falta discernimento para a opinião pública conseguir estabelecer as relações de causalidade.
Essas caracterÃsticas tornam as polÃticas econômicas extraordinariamente suscetÃveis de manipulação. Especialmente quando não existe na mÃdia pensamento crÃtico para denunciar as manipulações, as falsas correlações apresentadas.
Quando falo em pensamento crÃtico, não é a voz isolada de um ou outro analista. Nas modernas sociedades de massa, o que conta é o coro, é a soma de vozes, é o efeito manada.
De 1995 a janeiro de 1999 poucas foram as vozes alertando para o desastre cambial. Uma semana antes da explosão do câmbio, um canal de TV a cabo entrevistava vários economistas para comprovar que "o mercado não acredita na mudança cambial". Todos os economistas entrevistados pertenciam à mesma empresa de consultoria. Mas, em função desses truques de edição, apareciam como se fossem "o mercado".
Os cidadãos menos informados - incluÃdos sucessivos presidentes da República - acabam acreditando que o coro representa a verdade. Não se dão conta de que o volume do coro é apenas conseqüência de se ter um segmento organizado na economia - os cabeças de planilha do mercado - e analistas amestrados, que aceitam clichês, ou por ignorância ou por malÃcia.
No inÃcio do Real, quem ousasse mostrar os absurdos do câmbio, e os benefÃcios trazidos para alguns dos economistas, era tachado de adepto da "fracassomania", integrante do "arco do atraso", e outras colocações desqualificadoras.
Ao mesmo tempo, havia todo um coro mistificador, elevando a reputação dos economistas às alturas. Fulano é gênio, beltrano é brilhante, e todo esse jogo de construção de reputações baseado apenas em clichês.
Os economistas do Real deram uma "tacada", com a apreciação do câmbio em 1994. Alguns se tornaram inacreditavelmente ricos. Quem pagou foi o paÃs, com a perda de uma enorme janela de oportunidade - perda que se prolongou no governo Lula, quando o presidente permitiu a Antonio Palocci e Henrique Meirelles trazer de volta a apreciação cambial.
A intenção do livro foi mostrar didaticamente como se dá essa manipulação, de que maneira se criam clichês, muitos sem pé nem cabeça, para dar sobrevida a um modelo torto. E mostrar também o custo para o paÃs quando se tem uma mÃdia tão pouco crÃtica em relação aos rumos da economia.