Como sempre ocorre nas campanhas eleitorais no Brasil, as disputas para presidente e governador tomam conta do cenário eleitoral, enquanto as eleições para o Legislativo são deixadas de lado, como se fossem o filho bastardo que se quer ocultar.
Após mais de dois anos em crise polÃtica intermitente, tendo o Legislativo como palco principal, parece incrÃvel que continuemos dando tão pouca importância à eleição daqueles representantes que conformam a soberania popular na democracia representativa.
CrÃticas e denúncias de corrupção envolvendo parlamentares tornaram-se rotina na imprensa. Manifestações de indignação contra os polÃticos é o que mais se ouve quando a conversa é polÃtica e eleição; chegando mesmo a se expressar em movimentos mais organizados, seja nas campanhas contra "mensaleiros e sanguessugas", seja na tentativa de mobilização de internautas por um "panelaço" no 7 de setembro, seja ainda na mobilização pelo voto nulo.
Todos eles direcionam-se aos parlamentares, ao Congresso. Mesmo porque o amplo apoio manifestado nas pesquisas de intenção de voto à candidatura do atual presidente não nos permite identificar qualquer sinal de que a sua possÃvel reeleição esteja sendo colocada em xeque.
A questão fundamental é que, independentemente do candidato a presidente e a governador que sair vencedor; independentemente de que tenhamos ou não manifestado nossa indignação no dia da Pátria; independentemente de que, por recusar tudo que esta aÃ, optemos por protestar votando nulo, em branco, ou nos abstendo nestas eleições, o próximo Congresso será eleito no dia 1º. de outubro e tomará posse em fevereiro de 2007. Com os votos que forem sufragados nas urnas.
O que isto significa? Consideremos apenas a eleição nacional.
Caso haja um número significativo de votos inválidos, não apenas a base da legitimidade do Congresso estará enfraquecida. Sua composição provavelmente poderá ser ainda pior do que a atual, em função do fato de que, quanto maior o número de votos nulos e brancos, menor será o quociente eleitoral, ou seja, menos votos serão necessários para se distribuir as cadeiras entre os partidos e candidatos.
Dado que é mais provável que quem anula o voto seja o eleitor preocupado com a coisa pública (caso contrário não protestaria), candidaturas e partidos mais comprometidos com o interesse público terão seu peso relativo diminuÃdo.
Há também que se considerar que não basta que nos insurjamos contra a eleição dos chamados "mensaleiros e sanguessugas", tentando puni-los com a perda do mandato.
Certamente esta é uma iniciativa importante, pois é atribuição do eleitor punir aqueles representantes cujo desempenho não foi condizente com os deveres do mandato que receberam. Mas impedir que "mensaleiros e sanguessugas" voltem ao Congresso não significa que aqueles que os substituÃrem sejam de uma nobre estirpe, incorruptÃveis e voltados para o interesse público - a menos que levemos mais a sério as eleições legislativas; a menos que foquemos nossa atenção na escolha criteriosa daqueles que nos representam.
Isto significa que mais do que nunca é importante se engajar nas eleições legislativas, buscando informações sobre os candidatos, de forma a escolher entre aqueles que de fato já tenham demonstrado compromisso com a coisa pública, seja em sua atuação como representante na presente legislatura, seja em sua biografia como cidadão atuante. E certamente não faltam candidaturas que respondem à s exigências básicas do exercÃcio da representação polÃtica.
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Maria D´Alva Kinzo é professora do Departamento de Ciência PolÃtica da Universidade de São Paulo, doutora pela Universidade de Oxford e livre-docente pela USP.