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A armadilha do voto inválido

Maria D'Alva Kinzo - Setembro 2006
 

Como sempre ocorre nas campanhas eleitorais no Brasil, as disputas para presidente e governador tomam conta do cenário eleitoral, enquanto as eleições para o Legislativo são deixadas de lado, como se fossem o filho bastardo que se quer ocultar.

Após mais de dois anos em crise política intermitente, tendo o Legislativo como palco principal, parece incrível que continuemos dando tão pouca importância à eleição daqueles representantes que conformam a soberania popular na democracia representativa.

Críticas e denúncias de corrupção envolvendo parlamentares tornaram-se rotina na imprensa. Manifestações de indignação contra os políticos é o que mais se ouve quando a conversa é política e eleição; chegando mesmo a se expressar em movimentos mais organizados, seja nas campanhas contra "mensaleiros e sanguessugas", seja na tentativa de mobilização de internautas por um "panelaço" no 7 de setembro, seja ainda na mobilização pelo voto nulo.

Todos eles direcionam-se aos parlamentares, ao Congresso. Mesmo porque o amplo apoio manifestado nas pesquisas de intenção de voto à candidatura do atual presidente não nos permite identificar qualquer sinal de que a sua possível reeleição esteja sendo colocada em xeque.

A questão fundamental é que, independentemente do candidato a presidente e a governador que sair vencedor; independentemente de que tenhamos ou não manifestado nossa indignação no dia da Pátria; independentemente de que, por recusar tudo que esta aí, optemos por protestar votando nulo, em branco, ou nos abstendo nestas eleições, o próximo Congresso será eleito no dia 1º. de outubro e tomará posse em fevereiro de 2007. Com os votos que forem sufragados nas urnas.

O que isto significa? Consideremos apenas a eleição nacional.

Caso haja um número significativo de votos inválidos, não apenas a base da legitimidade do Congresso estará enfraquecida. Sua composição provavelmente poderá ser ainda pior do que a atual, em função do fato de que, quanto maior o número de votos nulos e brancos, menor será o quociente eleitoral, ou seja, menos votos serão necessários para se distribuir as cadeiras entre os partidos e candidatos.

Dado que é mais provável que quem anula o voto seja o eleitor preocupado com a coisa pública (caso contrário não protestaria), candidaturas e partidos mais comprometidos com o interesse público terão seu peso relativo diminuído.

Há também que se considerar que não basta que nos insurjamos contra a eleição dos chamados "mensaleiros e sanguessugas", tentando puni-los com a perda do mandato.

Certamente esta é uma iniciativa importante, pois é atribuição do eleitor punir aqueles representantes cujo desempenho não foi condizente com os deveres do mandato que receberam. Mas impedir que "mensaleiros e sanguessugas" voltem ao Congresso não significa que aqueles que os substituírem sejam de uma nobre estirpe, incorruptíveis e voltados para o interesse público - a menos que levemos mais a sério as eleições legislativas; a menos que foquemos nossa atenção na escolha criteriosa daqueles que nos representam.

Isto significa que mais do que nunca é importante se engajar nas eleições legislativas, buscando informações sobre os candidatos, de forma a escolher entre aqueles que de fato já tenham demonstrado compromisso com a coisa pública, seja em sua atuação como representante na presente legislatura, seja em sua biografia como cidadão atuante. E certamente não faltam candidaturas que respondem às exigências básicas do exercício da representação política.

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Maria D´Alva Kinzo é professora do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo, doutora pela Universidade de Oxford e livre-docente pela USP.



Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil.

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