Apesar das expectativas com as eleições presidenciais que irão ocorrer em outubro deste ano, "até agora as candidaturas não estão muito explicitas em relação aos rumos" que o paÃs irá tomar daqui para frente, afirma o sociólogo Luiz Werneck Vianna à IHU On-Line. O Brasil "irá na direção do nacional-desenvolvimentismo, na volta dos tempos de Dilma, ou se inclinará por outras alternativas?", questiona. Segundo ele, "o tema do nacional-desenvolvimentismo encontra guarida numa candidatura do PT e espantosamente também na candidatura do Bolsonaro", mas outra possibilidade seria "estimular candidaturas para o centro, que poderiam, em nome do fortalecimento da democracia polÃtica e de suas instituições, avançar numa coalizão de centro-esquerda". Entretanto, adverte, "isso tudo ainda são especulações e cogitações que ainda estão sob exame".
Na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, Werneck Vianna também comenta o julgamento do ex-presidente Lula, que irá ocorrer na próxima quarta-feira, 24 no TRF-4 - Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Na avaliação dele, "este julgamento não está tendo o papel que os comentaristas dos grandes jornais fazem a respeito do "Dia D". Tudo indica que vamos transitar por esse dia seja qual for a decisão". As possibilidades reais de concretização do processo que envolve o ex-presidente, afirma, são "a confirmação da sentença" e "o fato de ela se traduzir, em termos da Lei de Ficha Limpa, numa erradicação da candidatura Lula nessa sucessão presidencial". Ele diz ainda que a aposta da esquerda na eleição do ex-presidente "é a aposta do aprofundamento do conflito; é levar o conflito à s últimas consequências, mas não vejo clima para isso. O clima que estou vendo é de normalidade e estou tentando expressar isso através de alguns indicadores sociais, como o carnaval, a polÃtica do Estado em relação à saúde, que vem sendo valorizada pela população. Não estou vendo clima para colapsos e fim de mundo. É a continuação do mundo que está aÃ, dessa maneira complicada que está aÃ".
Werneck destaca ainda que o "fenômeno que importa entender" na atual conjuntura brasileira é a judicialização da polÃtica.
"O Judiciário usurpou o papel que era da polÃtica: até para a nomeação de um ministro, um juiz de primeira instância intervém com êxito. Não há caso igual no mundo. E como isso vai se repor nos seus eixos é um processo a ser discutido".
Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador na PontifÃcia Universidade Católica - PUC-Rio. Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo, é autor de, entre outras obras, A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1997); A judicialização da polÃtica e das relações sociais no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1999); e Democracia e os três poderes no Brasil (Belo Horizonte: UFMG, 2002). Sobre seu pensamento, leia a obra Uma sociologia indignada. Diálogos com Luiz Werneck Vianna, organizada por Rubem Barboza Filho e Fernando Perlatto (Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2012).
Já está claro o que podemos esperar em termos polÃticos para este ano de eleição presidencial? Uma coisa é o que devemos esperar, outra é o que podemos esperar. O que deverÃamos esperar é um processo de discussão sobre a retomada de rumos da sociedade e da economia brasileira, ou seja, em que direção irá: irá na direção do nacional-desenvolvimentismo, na volta dos tempos de Dilma, ou se inclinará por outras alternativas? Até agora as candidaturas não estão muito explicitas em relação a esses rumos. Sabe-se que o tema do nacional-desenvolvimentismo encontra guarida numa candidatura do PT e espantosamente também na candidatura do Bolsonaro, assim como também se cogita estimular candidaturas para o centro, que poderiam, em nome do fortalecimento da democracia polÃtica e de suas instituições, avançar numa coalizão de centro-esquerda. Mas isso tudo ainda são especulações e cogitações que ainda estão sob exame.
Uma candidatura do Lula representaria certamente uma campanha voltada para a retomada, de certo modo, do nacional-desenvolvimentismo e está dependendo de uma decisão judicial, aliás, como tudo neste paÃs. Agora, penso que, ao contrário do que muitos meios de comunicação estejam procurando sublinhar, acentuar e enfatizar, estamos muito longe de cenas de fim do mundo. Apesar dos conflitos e das ideias contrapostas, as instituições marcham e dia a dia elas se reforçam, por incrÃvel que pareça. O fato é que todos se referem à Carta de 88, pretendem ser os melhores interpretes dela, e ela se reforça. Não há tentativas que procurem recusar a Carta de 88. Então, não creio que estamos vivendo um clima de fim do mundo nem de colapso. Tenho algumas indicações empÃricas que sustentam essa minha percepção.
Quais?
Vou tentar mostrá-las. Fala-se muito na distância entre o Estado e a sociedade, mas não é isso que está ocorrendo agora, por exemplo, no principal estado da federação com a vacinação para a febre amarela. O que está se vendo é uma demonstração de confiança da população nas agências do Estado, especialmente nas agências de saúde - que são tão criticadas -, onde se vê que as pessoas ordenadamente e disciplinadamente acorrem aos postos para fazer a vacina. Isso demonstra confiança na ação estatal dessas agências, e é um indicador forte para mim de que a crise na população não tem a mesma proporção da crise que se constata na leitura da mÃdia. Outro processo também muito visÃvel em São Paulo é a busca por formação de blocos de carnaval, que deve, neste ano, superar todas as marcas com a criação de blocos novos. Eu vejo nisso indicações de que à medida que o dia do julgamento de Porto Alegre se aproxima, não caminhamos para um colapso, um conflito. Ele pode até ocorrer, mas o mais previsÃvel é que não ocorra.
O senhor quer dizer que não há uma mobilização social, para além da militância petista, ao julgamento do ex-presidente Lula? Por que na sua avaliação a população não está comovida com o julgamento?
Porque este julgamento não está tendo o papel que os comentaristas dos grandes jornais fazem a respeito do "Dia D". Tudo indica que vamos transitar por esse dia seja qual for a decisão. Agora, qual será a decisão? É muito previsÃvel - digo isso sem fazer juÃzo de valor - que o Tribunal de Porto Alegre confirme a sentença e mantenha a condenação. Agora, depois disso, no próprio âmbito do judiciário, a questão é como a decisão será interpretada: a condenação com trânsito em julgado - porque esgotadas todas as instâncias de apelação - leva, logicamente e de maneira irrecorrÃvel, à possibilidade de tornar a candidatura do Lula inviável, e a cassar a possibilidade dessa candidatura pela Lei da Ficha Limpa. Essa será outra batalha, mas acho difÃcil contornar a tendência de que Lula seja erradicado do processo eleitoral como candidato. Como personalidade polÃtica talvez terá uma força, inclusive indicando um candidato.
Agora, as possibilidades reais de concretização desse processo são: 1) a confirmação da sentença; 2) o fato de ela se traduzir, em termos da Lei de Ficha Limpa, numa erradicação da candidatura Lula nessa sucessão presidencial; e 3) temos que esperar.
A descrença das ruas em relação às soluções dramáticas, a meu ver, está presente na organização dos blocos de carnaval em termos massivos, ou seja, as ruas serão ocupadas pelos carnavalescos.
Os indicadores que estou tomando são, de um lado, a mobilização para o carnaval e, de outro, a demonstração de confiança que a população vem dando para as polÃticas em matéria de saúde, indo aos postos em massa. Não se vê conflito nesses postos de saúde. Essa polÃtica está sendo legitimada e com isso o Estado também está. E se reconhece na ação do Estado um serviço público importante, qual seja, a luta contra a febre amarela.
Como o senhor avalia a aposta da esquerda no nome do ex-presidente Lula como principal candidato à presidência? Qual é o impacto polÃtico dessa aposta?
A aposta da esquerda no Lula é a aposta do aprofundamento do conflito; é levar o conflito à s últimas consequências, mas não vejo clima para isso. O clima que estou vendo é de normalidade e estou tentando expressar isso através de alguns indicadores sociais, como o carnaval, a polÃtica do Estado em relação à saúde, que vem sendo valorizada pela população. Não estou vendo clima para colapsos e fim de mundo. É a continuação do mundo que está aÃ, dessa maneira complicada que está aÃ.
Que cenários vislumbra para a disputa presidencial deste ano?
A candidatura Alckmin é praticamente certa. Do lado do PT, fora essas especulações fantasistas do Lula ser candidato, teremos o Jaques Wagner, que é um candidato bastante palatável do PT. A candidatura de Meirelles vai depender da batalha polÃtica dele, se ele conseguir espaço. O governo, especialmente se a economia continuar a dar as respostas positivas que vem dando, vai ter um papel aà no sentido de indicar um candidato, que pode ser o Meirelles ou o Alckmin.
A hipótese da candidatura do Temer me parece muito fantasista. De outro lado, não vejo o Bolsonaro como alternativa, embora o tema dele esteja na ribalta, que é a segurança, a ordem, mas tenho a sensação de que a candidatura dele não decola. Existe a possibilidade de uma candidatura de um outsider. Ela existe, mas adivinhar quem seria não vale.
Um tema que voltou a ser discutido entre os partidos é a possibilidade de fazer alianças, e partidos como o PT e o PCdoB já declararam que poderão fazer alianças com o PMDB. Que alianças provavelmente serão feitas nesta eleição? O PMDB continuará mantendo uma influência nesse sentido?
O PMDB, com o tamanho da bancada parlamentar que tem e com a sua capilaridade, que se manifesta na sua presença nas principais cidades do paÃs de forma significativa, vai continuar com o seu papel de centro, como foi no governo Lula. Foi a Dilma quem interrompeu essa experiência exitosa, porque ela tinha horror ao PMDB. Aliás, ela veio para a polÃtica do Rio Grande do Sul, onde se acumulava ressentimentos com o PMDB em nÃvel local e nacional. Então, todos os candidatos têm a percepção clara de que sem passar pelo PMDB não há vitória possÃvel nem governo possÃvel. De qualquer forma, esse horizonte está muito turvo e não é responsável da perspectiva de agora falar nas alianças sem saber quais serão os candidatos.
Digamos que a minha análise esteja equivocada e que o Tribunal não confirme a sentença, então o Lula será candidato e aà muda tudo, mas essa hipótese, para mim, é fantasista, é um exercÃcio sem possibilidade de se concretizar. A possibilidade de concretização é a do Tribunal confirmar a condenação e, em seguida, pela Lei da Ficha Limpa, afastar o Lula da candidatura presidencial. Haverá outras batalhas jurÃdicas, mas são batalhas condenadas a ter um resultado previsto, qual seja, o de não admitir a possibilidade de recursos defensáveis da candidatura Lula. E aà vamos para a eleição.
Na eleição deste ano deve se repetir um cenário polarizado, como o da última eleição presidencial?
Eu acho que a eleição será polarizada, mas não se sabe em que direção, porque tudo está na dependência de saber se Lula será candidato ou não. Estou trabalhando com a hipótese de ele não ser candidato, olhando para o comportamento do Tribunal, ou seja, como ele tem se comportado e como a condenação do Lula fortaleceria essa intervenção que o Judiciário está fazendo na vida polÃtica do paÃs. Esse é o fenômeno que importa entender. O Judiciário usurpou o papel que era da polÃtica: até para a nomeação de um ministro, um juiz de primeira instância intervém com êxito. Não há caso igual no mundo. E como isso vai se repor nos seus eixos é um processo a ser discutido. Assim como antes, que caminhos tivemos que descobrir para que os militares voltassem aos quartéis, agora teremos que descobrir o caminho para que os magistrados retomem seus lugares nos tribunais e fiquem por lá. Isso não vai ser fácil.
Quais são suas maiores preocupações em relação à atuação do Poder Judiciário?
Temos que colocar cada macaco no seu galho. Se a Constituição está tão valorizada, ela define como questão estratégica a divisão entre os poderes, porque não existe só um poder ou um poder acima dos demais. Isso vai depender de luta polÃtica, intelectual, jurÃdico-polÃtica, ou seja, de uma reflexão muito grande da sociedade sobre essa patologia da judicialização da polÃtica que tomou conta da nossa vida.
Recentemente o senhor escreveu que estamos "deixando para trás o tempo da modernização que aqui vingou de Vargas a Dilma". Quais são as evidências disso e quais devem ser os reflexos disso nas eleições deste ano?
Essa é uma percepção que tenho da época que estamos vivendo, de que um paradigma, uma certa concepção do paÃs, ficou para trás. A Revolução de 30 está ficando para trás, mas ainda não ficou inteiramente para trás, mas já nos afastamos muito dela e ela vem perdendo força e capacidade de persuasão. Está aà a Legislação Trabalhista que não "segurou o tranco". Por mais que os advogados trabalhistas estejam se mobilizando em defesa da Consolidação da Lei de Trabalho - CLT, a CLT ao fim e ao cabo jamais encontrou apoio forte dentro do próprio PT, dentro do governo Lula. Só a partir de um determinado momento ele foi flexibilizando no sentido de voltar aos anos 30, de reencontro com o nacionalismo do governo Geisel. A escora dessa polÃtica agora está mais na direita do que na esquerda: é Bolsonaro que defende o populismo, o nacional-desenvolvimentismo. Isso é uma mudança importante; não é a esquerda que está valorizando essa alternativa, ao contrário, é a direita. Aliás, é o que acontece no mundo: o nacional-desenvolvimentismo ganha espaço na Europa e nos EUA, com Trump. A esquerda está afastada disso e no Brasil vemos esse afastamento se aprofundar.
A bandeira da modernização está cedendo lugar para a bandeira do moderno. Por bandeira do moderno eu quero significar o tema da autonomia, a autonomia das organizações, a valorização da sociedade civil, novas formas de articulação da sociedade civil com o Estado. É isso que entendo pela emergência do moderno entre nós. Ao meu ver, essa é uma tendência muito poderosa. Já vitoriosa? Ainda não, mas é muito forte e penso que nessas eleições isso vai se fortalecer mais ainda.
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Observador polÃtico 2018