Lincoln Secco. A Revolução dos Cravos e a Crise do Império Colonial Português (1961-1975). Economias, Espaços e Tomadas de Consciência. São Paulo: Alameda / Fapesp / Cátedra Jaime Cortesão, 2004.
Curiosa sina, a do velho Portugal. Desbravou mares nunca dantes navegados, como escrevera seu poeta maior, trilhou caminhos outrora desconhecidos e se fez o primeiro grande império da época moderna.
Passados séculos de uma história repleta de avanços e recuos - como toda a História, aliás -, o destino parece lhe ter reservado uma nova surpresa: foi Portugal, e não outra nação européia, a colher as últimas flores da utopia revolucionária que habitou as mentes e os corações de homens e mulheres que viveram sob o signo de duas grandes revoluções contemporâneas: a Francesa, de 1789, e a Russa, de 1917.
Em 25 de abril de 1974, há exatos 30 anos, os portugueses celebravam o fim de uma longa ditadura. Inscrevia-se, em sua história, mais um belo episódio: a Revolução dos Cravos. O leitor ávido em pormenores encontrará neste livro de Lincoln Secco uma excelente fonte de nomes, datas, lugares e referências atinentes ao golpe revolucionário dos capitães do Movimento das Forças Armadas no 25 de abril.
A narrativa é fiel à velha tradição histórica, na qual os personagens têm lugar privilegiado no desenvolvimento da ação. Além disso, o autor nos brinda com belas descrições geográficas. Homem e natureza aparecem em perfeita comunhão nessa história.
Mas alto lá, diria o autor. O exercÃcio da História vai muito além. E a crÃtica histórica há muito vem nos ensinando que ao tempo das flores sucedem temerosos invernos e verões infernais. Os capÃtulos que compõem este livro são assim: oscilam entre o sentimento de uma esperança confortadora e uma lancinante tristeza. Tristeza que nasce da constatação, da difÃcil constatação de que todos os ideais postos em cena durante a vaga revolucionária estavam profundamente atrelados à s velhas estruturas da sociedade portuguesa.
Quais as possibilidades de uma revolução plena, que toca os costumes das gentes, diante de um quadro em que predominam a vida rural, hábitos e crenças arraigados em valores tradicionais, o analfabetismo e os evidentes abismos regionais? Mais além de Lisboa, um outro Portugal.
E, se mudam os tempos e com eles as vontades, não há nada mais temeroso e paradoxalmente confortante para o historiador do que as permanências de longa duração. Neste ponto, afirma Lincoln Secco, "voltamos ao problema nuclear dessa história. Talvez de toda história, como diria Braudel. É possÃvel mudar a sociedade pela vontade polÃtica?"
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Marisa Midori Deaecto é doutoranda em História (USP).