"A rejeição da política como solução para a vida me preocupa". Uma frase de Silvio Pons, professor da Universidade de Roma II e vice-diretor da Fundação Instituto Gramsci, em Roma, que esteve no Brasil para lançar A revolução global. História do comunismo internacional (1917-1991), pela Editora Contraponto, a Fundação Astrojildo Pereira e o site Gramsci e o Brasil.
"Tenho 59 anos, nasci em Florença, na Itália, e sou apaixonado por futebol. Fiz graduação na Universidade de Florença, nos anos 1970, e no doutorado estudei a política externa da União Soviética na Segunda Guerra. Meu último livro procura relacionar a história do comunismo internacional e a História global do século XX".
Pons começou seus estudos universitários, quando novas pesquisas sobre a experiência soviética se multiplicavam no continente. Aluno de Giuliano Procacci, é especialista na política externa da União Soviética. Nesta entrevista, ele aponta que a origem da crise da URSS foi política, mais do que econômica, e analisa o imaginário político comunista marcado pelas guerras.
A entrevista foi conduzida pelo jornalista Leonardo Cazes.
Conte algo que não sei.
As guerras foram o grande fator de ascensão das revoluções comunistas no século XX, não as crises do capitalismo. A Revolução Russa está ligada à Primeira Guerra Mundial; a Revolução Chinesa, à Segunda Guerra. Nenhuma revolução surgiu a partir da Grande Depressão, em 1929, ou do choque do petróleo nos anos 1970. O avanço comunista na Indochina, nessa época, está relacionado às duas guerras anteriores na região.
Essas guerras impactaram o pensamento comunista?
A imaginação política comunista ficou muito marcada pela guerra desde o início. Houve uma combinação entre ideologia e experiência. Havia uma visão catastrófica do capitalismo. Para os comunistas, a História era violenta, o capitalismo era violento. Essa seria a origem dos conflitos e por causa deles haveria revolução. É diferente do fascismo, que via a guerra como um projeto de conquistas territoriais.
Então essa é a raiz do autoritarismo desses regimes?
Isso contribui para explicá-lo, mas não só. Havia o ethos do sacrifício, de se preparar para tempos difíceis para que houvesse dias melhores. O autoritarismo também estava ligado à ideia comunista de uma guerra civil mundial inevitável. A noção do comunismo como uma modernidade alternativa ao capitalismo não se referia apenas à construção de uma sociedade melhor, mas também a uma preparação para essa guerra que viria. Esse foi o foco da modernização soviética feita por Josef Stalin, por exemplo.
O senhor vê a principal razão do fim da União Soviética em uma crise política, mais do que econômica. Por quê?
Nos anos 1980, não havia recessão econômica na União Soviética, mas estagnação. Hoje na Europa também há estagnação, e nem por isso a União Europeia vai acabar. As raízes da desagregação estão nas muitas contradições na relação entre o Estado soviético e os partidos e os Estados comunistas. É o choque entre um projeto de revolução mundial e os interesses de um Estado. Quando há a ruptura entre a China e a União Soviética (em 1963), acaba a unidade do movimento comunista internacional. Ali, ele perde a sua legitimidade como um projeto global de alternativa ao capitalismo. Em maio de 1968, a crise do comunismo já existia, mas não foi compreendida.
A China hoje pode ser considerada um país comunista?
Sim e não. Há legado do comunismo na China, que não pode ser entendida sem a revolução. Há um partido comunista, um comitê central. Mas, a partir dos anos 1980, o país abandonou o projeto global de uma modernidade anticapitalista e fez sua transição para um autoritarismo de mercado. A China abandonou a característica básica do comunismo no século XX, sua ambição universal.
Em todo o mundo, as pessoas parecem desiludidas com a política. A utopia faz falta?
A rejeição da política como solução para a vida me preocupa, talvez porque eu esteja ficando velho (risos). Mas não devemos ser nostálgicos da era das grandes ideologias. O fim do comunismo legou uma falta de fé em qualquer transformação política, pois era uma experiência hiperpolítica que falhou. Creio que uma nova política global já está aí, amorfa e dispersa, e vai emergir em algum momento de formas que ainda não conhecemos. A Primavera Árabe foi um exemplo disso.
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