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A política social do governo Itamar Franco

Pedro A. Ribeiro de Oliveira - Dezembro 2009
 

Denise Paiva. Era outra história: política social do governo Itamar Franco 1992-1994. Juiz de Fora: Ed. UFJF/Fundação Astrojildo Pereira, 2009. 293p.

Quando Itamar Franco assumiu a Presidência da República, ouvi de uma analista da política que respeito muito - minha irmã Isabel - afirmar que "ele estava formando o melhor governo possível no momento". Passados apenas quinze anos, porém, seu governo parece ter caído no esquecimento da população, como se apenas tivesse feito a transição entre Collor e FHC. Desse período ficou a imagem de Itamar como um presidente que preferia o velho fusca, inventou a "carta social" e que fez do Palácio do Planalto a "república do pão-de-queijo". E assim ficou na memória popular uma imagem esmaecida de Itamar: uma figura simpática mas irrelevante na política nacional.

Essa imagem simplista foi agora radicalmente contestada pelo minucioso trabalho de pesquisa de Denise Paiva, cujo livro mostra sua importante contribuição para o processo de democratização do país, depois de vinte anos de ditadura militar, seis anos de clientelismo comandado por Sarney e dois anos de descalabro moral de F. Collor. Com o governo Itamar começou a ser construída uma relação respeitosa entre o poder executivo e a sociedade civil, tendo sido colocado em prática o preceito constitucional de participação cidadã. Essa experiência pioneira de democracia participativa certamente desagradou os donos do poder, para os quais as decisões políticas devem ser tomadas em seus pequenos círculos de influência e depois referendadas por um Congresso submisso. Por isso, penso eu, antes que o povo tomasse gosto pela experiência democrática, os veículos que orientam a opinião pública trataram de diminuir a figura de Itamar, para que seu governo não servisse de exemplo a quem o sucedesse. E assim foi...

Tendo assumido interinamente a Presidência da República em outubro de 1992, em consequência do êxito do Movimento pela Ética na Política que exigia do Congresso o impedimento de F. Collor, Itamar Franco foi empossado no final de dezembro para terminar o mandato. No total, ocupou a Presidência da República por 27 meses. Mas aproveitou esse tempo para tornar a luta contra a fome e a miséria uma política de Estado. E o fez em profunda sintonia com os setores organizados da sociedade brasileira - e não em lugar deles. Esta não foi uma tarefa fácil, porque a tradição populista de Vargas, a política de cooptação do regime militar e o clientelismo revigorado pelo governo Sarney levaram os movimentos e organizações que lutam pela cidadania a desconfiarem de toda e qualquer iniciativa governamental. A leitura atenta de Era outra história nos leva a entender justamente o difícil processo de superação dessa desconfiança, que se dá na medida em que se cria um espaço de colaboração entre Estado e Sociedade para tirar o combate à fome e à miséria do campo assistencial e levá-lo para o campo dos direitos de cidadania. Nesse processo emerge a primeira experiência brasileira de democracia participativa em âmbito nacional.

Denise Paiva usa o método da história oral para reconstruir esse processo. Excelente entrevistadora, faz que as pessoas narrem os fatos mais relevantes para a nossa compreensão, desde os meandros da burocracia, até as circunstâncias nas quais eram tomadas as decisões finais. A autora atribui muita importância à personalidade do Presidente, mas não deixa em passar em branco uma análise do contexto político do seu governo. Tendo iniciado sua carreira no MDB, Itamar foi eleito vice-presidente pelo PRN - uma legenda eleitoral "de aluguel" como outras - e por isso governou sem dispor de uma base partidária própria. Aí reside a chave de explicação do seu governo. Sendo impotente diante do poder econômico que o havia escolhido vice-presidente numa chapa que hoje chamaríamos neoliberal, Itamar nem tentou retirar a política macroeconômica das mãos dos representantes dos empresários e banqueiros. Tratou de concentrar sua (pouca) força política na implementação dos direitos constitucionais de cidadania.

Em lugar de seguir o caminho depois trilhado por FHC e Lula - usar o clientelismo e a barganha por cargos como meio de ascendência sobre o Congresso - Itamar optou pelo respaldo da sociedade como meio de pressionar o Legislativo. É preciso lembrar-se que a sociedade brasileira vinha de um período no qual as mobilizações sociais haviam conquistado importantes vitórias políticas: a campanha das diretas já não conquistara seu objetivo específico, mas desmoralizou o regime militar; os movimentos sociais venceram a resistência do centrão e inscreveram importantes direitos sociais na Constituição de 1988; e o movimento pela Ética na Política derrubou o esquema de corrupção instalado no Palácio do Planalto. Ao convidar lideranças nacionais para partilharem as decisões sobre sua política social, Itamar Franco assumiu um risco: abrir mão de seu poder, sem receber em troca o apoio dessas pessoas ao seu governo. De fato, Betinho, D. Luciano Mendes, D. Mauro Morelli e outros integrantes da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida colaboraram com o governo mas mantendo uma distância crítica, pois para eles o governo estava apenas cumprindo seu dever constitucional.

Essa tensão criativa entre Movimentos Sociais e Estado foi vivida por Denise Paiva - na época Assessora de Assuntos Sociais da Presidência da República -, antes de tornar-se objeto de pesquisa histórica. Os depoimentos por ela colhidos ilustram os percalços e armadilhas escondidos no percurso, mas trazem também exemplos extremamente animadores, que não podem jamais ser esquecidos. Ao leitor e à leitora caberá o prazer de descobri-los e sobre eles refletir. Para mim, a melhor lição do livro foi mostrar que é politicamente mais eficaz o apoio de pessoas como Betinho do que de ACM e Sarney - como, infelizmente, vimos fazerem os sucessores de Itamar.

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Pedro A. Ribeiro de Oliveira é sociólogo, professor no Mestrado em Ciências da Religião da PUC-Minas e membro do Iser-Assessoria.

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Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil.

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