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Camaradas cordiais da democracia e da liberdade

Ricardo José de Azevedo Marinho - Junho 2022
 


Grau, Eros (org.). Nosso Armênio: Memórias e histórias de Armênio Guedes, o camarada sereno e cordial. Rio de Janeiro: Globo, 2020. 228p.

Alves Filho, Ivan e Oliveira, George Gurgel (orgs). Almeida: um combatente da democracia. Brasília: Fundação Astrojildo Pereira, 2021. 232p.

Os comunistas brasileiros sempre se apresentaram como uma cultura política nacional, por conta da brasilidade, com uma inserção internacional própria. Livros que reconstroem suas visões, laços e estratégias são momentos importantes para o estudo dessa experiência na amplitude do comunismo global. Através de toda a parábola centenária do Partido Comunista Brasileiro (PCB), as memórias em torno de suas lideranças possibilitam ver os múltiplos vínculos e as interações entre a história brasileira e as questões cruciais do século XX. Entre estas, o antifascismo, o stalinismo, denunciado por Nikita Khrushev (1894-1971) em 1956, a Guerra Fria, as cassações do registro partidário em 1947 e dos mandatos conquistados democraticamente em 1948, a ilegalidade, a ditadura de 1964, a presença no torvelinho global de 1968, o papel na luta em favor da democracia e na ação para derrotar politicamente as ditaduras em vigor no nosso continente entre 1964 e 1985, para não falar do fim do comunismo na Europa.

Nosso Armênio: Memórias e histórias de Armênio Guedes, o camarada sereno e cordial e Almeida: um combatente da democracia apresentam visões, laços, protagonistas e principais momentos da história do comunismo brasileiro a partir de homenagens a dois ilustres combatentes pela democracia. A cultura política de grupos dirigentes com forte vocação intelectual é expressa por personalidades como Armênio Guedes (1918-2015) e Francisco Almeida, empenhados na construção de vínculos possibilitados pela democracia, na abordagem dos temas do bem-estar e da boa vida planetária.

Armênio e Almeida são personagens-símbolo de uma cultura política da brasilidade. Ao se vincularem a influências e conexões transnacionais, contribuíram para mitigar a fratura na comunidade nacional ocorrida durante a Guerra Fria e para mediar, além das fronteiras, as representações de brasileiras e brasileiros no mundo. Um legado que faz todo o sentido revisitar hoje, em um tempo que registra um mundo transnacional democrático que luta para se firmar.

Armênio nasceu em 1918, Almeida em 1939, ambos de origem modesta e do interior nordestino – um baiano, o outro cearense. De gerações distintas, ingressaram no PCB em 1935 e 1959, respectivamente, e acabaram por se encontrar na oposição sistemática à luta armada para combater o autoritarismo e defender a política de ampla unidade democrática após o Ato Institucional n. 5 (AI-5), o que levaria à derrota da ditadura de 1964. Os compulsórios exílios que viveram deram a eles uma percepção internacional que realimentava essas convicções diante do cenário nacional dantesco.

Essa política, que advém da grande escola que foi a luta contra o fascismo e o nazismo por ocasião da formação do Eixo que promoveu a Segunda Guerra Mundial, se mostrou bem-sucedida. A sabedoria dessa experiência pode ser entendida assim: impedir que a luta política se transforme em voluntarismo e, noutro sentido, evitar que a análise da realidade concreta vire ceticismo ou pessimismo.

Assim, os dois livros visam a reverenciar essas duas figuras de proa da luta democrática brasileira, bem como aspectos fundamentais de suas ações. São crônicas e ensaios assinados por Eros Grau, Maria Cecília Comegno, Elio Gaspari, Juca Kfouri, Rosa Artigas, Zelito Viana, entre outros, no livro para Armênio; e Luiz Werneck Vianna, Aspásia Camargo, Maria Prestes (1932-2022), que nos deixou há pouco, Fausto Matto Grosso, Wellington Mangueira, Roberto Freire, entre outros, no livro para Almeida. E ainda Marco Aurélio Nogueira e Luiz Sérgio Henriques em ambas as obras.

As obras mostram que Armênio e Almeida são a expressão do esforço ininterrupto de interpretação da sociedade brasileira e do mundo, das suas inter-relações, dos dilemas da modernização e do difícil itinerário da democracia aqui e alhures.

Enfim, companheiros, amigos e familiares produziram dois livros excepcionais, de leitura agradabilíssima, que acabam por ser convites a quem faz história comprometida com a vida pública e a mudança social democrática. Os relatos demonstram por que o comunismo brasileiro carrega para todas e todos o codinome beija-flor.

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Professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE 

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Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil.

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