Por volta do ano 1500 os europeus chegaram ao Brasil. Vivemos, então, três séculos de perÃodo colonial, até nossa independência. Vieram dois reinados e turbulentas administrações regenciais, proclamamos a república, a revolução de 1930 reorientou nosso eixo econômico e reconfigurou a cara do Estado brasileiro. Getúlio Vargas deu inicio a uma era que terminou em 1945, com a derrota da ditadura do Estado novo. Até 1964 passamos por um tempo de relativa estabilidade democrática, interrompido pelo golpe civil-militar que inaugurou um regime autoritário de 21 anos. A redemocratização nos legou uma Constituição avançada e, desde então, vemos o revezamento de governos democráticos eleitos pelo povo. É mais ou menos assim que a história do Brasil é contada nas escolas, mas o PT resolveu apresentar uma nova versão.
Dentro de uma rede articulada de comunicação, o petismo tenta recontar a história do Brasil em dois perÃodos: antes do PT e depois do PT na presidência. O primeiro perÃodo teria sido um tempo de desgraça social, exploração econômica, violência exploratória, corrupção e injustiças. Com a chegada de Lula ao poder, em 2003, o paÃs teria vivido uma era de glórias, o paraÃso dos trabalhadores. Tal narrativa esdrúxula ganha ares ainda mais cômicos quando complementada com a tese de que essa era estaria sendo terminada por um "golpe de Estado" articulado pelas elites, a mÃdia e os setores conservadores.
Sabemos que a forma como se conta a história de uma nação é de interesse do poder; por isso, os currÃculos de história frequentemente são revisados, de acordo com os objetivos de um governo. Não à toa, recentemente, o MEC tentou reformular o conteúdo desta disciplina retirando os grandes acontecimentos europeus, eliminando a temporalidade e reduzindo o ensino da história a Brasil, Ãfrica e mundo indÃgena. O objetivo era claramente atender interesses militantes do multiculturalismo, substituindo a história geral por fragmentos étnicos e raciais.
Neste momento, o que o PT quer fazer com a história do Brasil é ajustá-la para fins próprios. E o mais grave é que ele não faz apenas pelas vias militantes do marketing, mas conta, principalmente, com o apoio da Universidade. Isso fica evidente na iniciativa de um grupo de historiadores renomados, intitulado "historiadores pela democracia". Eles preparam documentos, artigos, livros e ensaios que indicam, como conhecimento histórico produzido, a existência de um golpe contra a presidente Dilma Rousseff. Fazem isso sem respeitar o rigor cientÃfico da pesquisa histórica, narram como ciência o que vem da ideologia.
Os tempos atuais revelam uma guerra ideológica na qual a história do Brasil é gravemente atingida. Já temos livros didáticos que apontam heróis nacionais contemporâneos, como o operário que virou presidente. Também lemos a demonização de adversários do petismo como agentes perversos do neoliberalismo, a globalização tratada como o inferno dos pobres e ditaduras atuais desenhadas como paraÃsos sociais.
O desafio consiste em denunciar articulações que passam longe das formalidades acadêmicas de pesquisa e trabalham, com disfarce cientÃfico, em função da legitimação do poder. O triste é saber que nossos principais adversários são homens e mulheres do saber histórico, que deveriam velar pelos procedimentos historiográficos, mas são os primeiros a agir como soldados dos interesses de um partido polÃtico.
----------
Adelson Vidal Alves é historiador.
----------
O nome da esquerda, segundo Safatle
Os marxismos no mundo contemporâneo
O golpe, as armas e a polÃtica
Rui Facó: o homem e sua missão
Lula ou Constituição de 1988?