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O pensamento político de Gramsci

Jacques Texier - Setembro 2007
Tradução: Luiz Augusto do Rosário
 

Carlos Nelson Coutinho. Il pensiero politico di Gramsci. Milão: Unicopli, 2006. 170p.

Estamos diante da tradução do livro sobre o mesmo assunto, escrito em português e publicado no Brasil (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1999 e 2003). O autor é um intelectual marxista muito conhecido no Brasil e é um especialista reconhecido da obra de Gramsci (editou em português os Cadernos do cárcere e uma antologia dos Escritos políticos anteriores à prisão).

Questões de método

De leitura agradável o capítulo IV, dedicado a "Observações metodológicas sobre os Cadernos do cárcere", que se inicia com a controversa questão do caráter fragmentário ou, ao contrário, sistemático dos Cadernos. Coutinho se esforça por encontrar nos Cadernos uma passagem do abstrato ao concreto, análoga ao método usado por Marx em O capital. Gramsci se eleva ao nível do universal para responder a questões decisivas: por que não foi possível triunfar no Ocidente, como o fora na Rússia, no momento em que os diferentes países do mundo experimentavam um movimento de ocidentalização que tornava a revolução inteiramente possível?

Gramsci, não podendo dirigir revoluções, teve o prazer de praticar a "ciência da política". Dela faziam parte, segundo ele, Maquiavel e Vico, Mosca e Croce. E Coutinho cita com aprovação a afirmação de A. R. Buzzi (La teoria politica di Gramsci, Florença, 1973) segundo a qual "é a política que forma o núcleo central do pensamento de Gramsci, que dá sentido e articulação a todas as suas investigações históricas e reflexões filosóficas". É preciso entender a política em seu sentido amplo, que implica uma catarse. Sobre isso, Gramsci escreve: "A fixação do momento catártico torna-se assim, a meu ver, o ponto de partida de toda a filosofia da práxis".

Os comentários de Coutinho a este respeito apresentam um duplo interesse e proporcionam um duplo prazer. Com efeito, eles são atravessados tanto pelo historicismo radical da filosofia gramsciana quanto pelo ponto de vista crítico muito profundo da ontologia social do último Lukács. Cabe sublinhar que o casamento entre a filosofia da práxis e a ontologia do ser social é um completo êxito. É de esperar que Coutinho continue este trabalho de elaboração teórica, que leva em conta estas duas grandes correntes do marxismo do século XX. Parece-me que ambos os autores serão beneficiados com isso, mas sobretudo Gramsci, no que se refere à questão do materialismo.

O que é certo, em todo caso, é que o encontro de Gramsci e Lukács, até mesmo a cooperação entre eles, eleva muito nitidamente o nível filosófico do livro que estamos analisando, o que é muito evidente em alguns itens. Tomemos, por exemplo, o item 3 do capítulo IV, intitulado "Sobre as relações entre política, economia e totalidade social". Nele reencontramos a apaixonante questão do que Marx chama de übergreifendes Moment, ou seja, a questão de saber qual o momento predominante da totalidade histórica, em particular a questão da "prioridade ontológica" da estrutura. Para Gramsci, segundo Coutinho, "a economia determina a política não através da imposição mecânica de resultados unívocos e fatais, mas limitando o campo das alternativas" (p. 84).

A socialização da política e o desenvolvimento da sociedade civil que dela resulta fazem com que os processos sociais sejam cada vez mais determinados pela teleologia. E Coutinho cita Lukács, que fala (em seu livro póstumo sobre a democratização) de uma evolução que leva a fazer da teleologia "a categoria determinante central". Estamos aqui, diz o autor, em presença de uma nova e importante descoberta de Gramsci, já assinalada por Guido Liguori, quando sublinha no prefácio ao livro que a relação entre "economia" e política muda historicamente e depende das características concretas da formação social.

O capítulo IV, que estamos examinando, termina com um item consagrado ao "conceito gramsciano de ideologia". Começa com uma rigorosa crítica dos elementos idealistas que Coutinho crê poder apontar em Gramsci. Outros autores, como Michele Martelli e Luciano Gruppi, dirigiram críticas similares a Gramsci.

O livro contém ainda outros desenvolvimentos críticos sobre diferentes temas. Destaquemos a crítica do idealismo no capítulo I, consagrado à formação intelectual de Gramsci entre 1910 e 1918. Essa formação é nitidamente idealista, do que deriva o fato de que o marxismo de sua juventude se revela incapaz de uma compreensão profunda da importância do momento econômico e, de modo mais geral, do momento da causalidade e do determinismo "para uma análise realmente dialética do ser social". O autor do livro é um discípulo de Lukács, o que é bastante evidente nestas linhas.

De resto, Coutinho não se priva de criticar uma ou outra posição política adotada por Gramsci. É o que ocorre quando ele fala da "capitulação" de Gramsci diante das posições sectárias de Bordiga (p. 50-1).

Mas voltemos ao conceito gramsciano de ideologia. Coutinho mostra que ele é bastante similar ao do último Lukács. A elaboração deste conceito é uma importante contribuição teórica de Gramsci ao marxismo e à filosofia.Recordemos as críticas que Coutinho dirige à definição gramsciana de objetividade. Gramsci disse que "o objetivo é o universal subjetivo". Coutinho objeta que, com tal definição, não se vai muito longe na elaboração do conceito de verdade. Mas, quando se trata da ideologia, a situação se inverte. Com efeito, aqui não está em jogo o que Habermas chama de primeiro tipo de práxis, cujo modelo é o trabalho e a técnica, mas do segundo tipo de práxis, cujo verdadeiro nome é interação. Dado que, neste caso, está em jogo a inter-subjetividade, a definição do conhecimento como "universal subjetivo" é inteiramente adequada. 

Trata-se, com efeito, da ideologia  como dimensão necessária da política; e a política que assume a forma da vontade coletiva necessita de um sistema de valores e de crenças para realizar sua função. Aqui está em jogo a capacidade de distinguir entre o conhecimento científico e o conhecimento axiológico-normativo. Coutinho  afirma: "Portanto, afirmar, como o faz Gramsci, que na práxis interativa, em particular na política, a consciência que é mobilizada é sobretudo de tipo axiológico-normativo representa uma contribuição essencial à compreensão desta particular esfera da ação humana. Além do mais, essa afirmação permite superar uma visão puramente gnosiológica da ideologia e compreendê-la, ao contrário, como realidade prática, ou seja, como um fenômeno ontológico da vida social" (p. 89).

Lukács sublinha que as "generalizações" presentes da política "são o medium através do qual  a  práxis política supera o interesse de classe imediato e pode converter-se em um movimento socialmente universal" (apud Coutinho, p. 91).  Por seu lado, Gramsci mostra como o desenvolvimento político do conceito de hegemonia não representa somente um progresso político-prático, mas também um grande progresso filosófico.  É a partir daí que Gramsci introduz a distinção entre ideologias "arbitrárias" e ideologias "necessárias" e aborda com sucesso a questão da validade histórica das ideologias.  O marxismo, por exemplo, tem uma validade histórica que se estende por todo o período que nos separa da "sociedade regulada" (do comunismo), ou seja, durante o período em que ainda existem contradições antagônicas (p. 92).  E isso nos leva a terminar a leitura deste capítulo IV com a idéia de que a consciência humana não é mero epifenômeno, mas - sob a forma da ideologia - um elemento ontologicamente determinante do ser social (p. 93).  

Estado ampliado e sociedade civil

O capítulo V é intitulado "A teoria do Estado ampliado", compreendendo dois itens, dedicados respectivamente ao conceito de sociedade civil e à relação entre "sociedade regulada" e fim do Estado. 

Comecemos lembrando que a expressão "Estado ampliado" não é do próprio Gramsci, mas de Christine Buci-Glucksmann, a qual, como lembra Coutinho (nota 6, p. 97), inventa a expressão em 1975, com o objetivo de expressar sinteticamente a idéia fundamental de Gramsci, a saber, a de que o Estado não compreende somente o aparelho jurídico de comando e repressão, mas também a "sociedade civil" e seu aparelho de hegemonia, graças ao qual um grupo social pode conquistar a direção de toda a sociedade.

O primeiro item, intitulado "O conceito de sociedade civil", trata bastante de Norberto Bobbio, que se tornou célebre por causa de uma comunicação intitulada "Gramsci e o conceito de sociedade civil" (1967). É inteiramente impossível escrever sobre sociedade civil em Gramsci sem tomar posição em face do texto de Bobbio.  É o que Coutinho faz, mas de um modo que me deixou meio perplexo, já que ele encontra o modo de rechaçar as teses teóricas de Bobbio (e nisto estamos de acordo), mas atribuindo as maiores qualidades filológicas à mencionada comunicação. Pode-se dizer que o importante é o fato de que Coutinho rechaça com a maior clareza as teses de Bobbio. A partir do fato de que Gramsci não toma a "sociedade civil" no sentido que Marx lhe atribuía, Bobbio concluiu que Gramsci produziu uma verdadeira inversão teórica (uma dupla inversão, na verdade) com relação às teses clássicas do materialismo histórico. 

Dadas as posições que ele devia combater, Coutinho tinha necessariamente de esclarecer as relações entre Marx e Gramsci. E é o que ele faz com a maior clareza.  Assim, é também com o maior prazer que se lerá a exposição sintética do que Gramsci chama de "Estado integral", ou seja, sobre as duas esferas compreendidas no Estado integral, a da coerção e a da hegemonia. 

Tratando-se da sociedade civil, Coutinho tem toda razão em sublinhar que Gramsci teve o mérito de pôr em evidência que a hegemonia tem sua "própria base material", ou uma "materialidade social própria". Assim reaparece, no domínio da política (cf. nota 13, p. 101), a "ontologia materialista do ser social" que um autor como I. I. Rubin ilustrou no domínio da economia política. 

Gostaria, de passagem, de chamar a atenção do leitor para a p. 102 e sua nota 14.  Nesta passagem, Coutinho aborda muito rapidamente uma questão que mostra que nem tudo é límpido nas notas contidas nos Cadernos. Com efeito, ele nos põe diante de um parágrafo dos Cadernos  (cad. 13, § 18), no qual Gramsci nos convida a não confundir, a propósito da distinção entre "sociedade civil" e "sociedade política", uma "distinção metodológica" com uma "distinção orgânica". Coutinho nos convida, de passagem, a preferir a concepção dialética, defendida igualmente por Guido Liguori, que põe a base da boa interpretação no conceito de "identidade-distinção" entre sociedade civil e sociedade política. 

Antes da concluir, com argumentações claras e sintéticas (p. 106), a exposição da concepção gramsciana de "Estado integral" como síntese da sociedade política e da sociedade civil, Coutinho expõe as relações entre esta concepção e a teoria althusseriana dos "aparelhos ideológicos de Estado". Mencionamos apenas um desacordo profundo, sobre o qual não insistiremos aqui, já que o autor não teve o tempo de expor em detalhe os conceitos de Althusser.

Chegamos ao fim deste item consagrado ao conceito de sociedade civil em Gramsci e àquilo que se convencionou chamar de sua "teoria ampliada do Estado".  Foi o estudo do papel dos intelectuais na conquista da hegemonia e do consenso que levou Gramsci a introduzir novas determinações conceituais no conceito de Estado: não apenas aparelho coercitivo, mas também aparelho de hegemonia voltado para a conquista do consenso.  Coutinho soube expor este conjunto de idéias com força e clareza.  Contudo, antes de concluir esta parte, temos de lhe dirigir uma séria crítica.

A expressão "sociedade civil" conhece nos Cadernos diferentes acepções.  Já sabemos tudo sobre a sociedade civil enquanto lugar da luta pela hegemonia; e isso é suficiente para nos dar o conceito de Estado integral, que compreende o Estado político, lugar de coerção, e a sociedade civil, lugar de consenso. A sociedade civil, porém, tem nos Cadernos não uma, mas duas acepções. É a partir do conceito de homo oeconomicus que podemos ter acesso direto a essa segunda acepção de sociedade civil. O homo oeconomicus é a abstração histórica determinada das necessidades e atividades econômicas que correspondem à estrutura econômica de um período histórico determinado; e este homo oeconomicus deve ser transformado e adaptado à estrutura econômica quando esta se modifica. Temos aqui a "sociedade civil/homo oeconomicus" que, como se pode ver, designa um conteúdo bem diverso daquele que é próprio da "sociedade civil/hegemonia".  Tive ocasião de expor oralmente esta reserva crítica a Coutinho.  Ele me deu a impressão de estar plenamente consciente da natureza do problema, e o melhor que podemos fazer é esperar que ele tenha o tempo necessário para desenvolver seu pensamento sobre este ponto. 

O estudo do último item deste capítulo V nos permite verificar a fecundidade heurística do conceito gramsciano de sociedade civil, quer se trate do conceito de "sociedade regulada", ou seja, do comunismo, quer se trate da teoria do fim do Estado, sem a qual não há definição completa do comunismo. 

Não seguiremos em detalhe o que Coutinho diz sobre as relações entre Gramsci e Stalin. Trata-se, contudo, de um tema obrigatório, já que somente a partir do distanciamento crítico em face do desenvolvimento histórico da URSS e, portanto, da política imposta em diferentes ocasiões por Stalin é que se pode ter uma idéia das concepções que Gramsci elabora progressivamente. 

É preciso agradecer a Coutinho por ter mantido a sobriedade, não só em relação a Stalin, mas, de modo mais geral, em relação ao alcance da crítica gramsciana do "socialismo real".  Não devemos subestimar o que os Cadernos aportam a esta crítica, mas sabemos perceber os limites históricos que Gramsci não podia superar.  O sentido da nota dedicada à "estatolatria" autoriza falar de uma certa ambigüidade de Gramsci diante destes problemas, já que ele começa por justificar um período de estatolatria para um certo tipo de Estado similar à URSS antes de insistir sobre a necessidade de uma constante crítica socialista desta mesma estatolatria. 

Concluindo, vejamos algumas idéias simples que utilizam o conceito de sociedade civil no sentido gramsciano. O que é o comunismo ou a "sociedade regulada", como Gramsci a chama? É uma sociedade na qual os elementos de "sociedade regulada" triunfam progressivamente sobre os elementos da "sociedade política" em sentido estrito. Trata-se, portanto, de uma sociedade na qual desaparece o Estado-coerção, cujas estruturas são reabsorvidas pela "sociedade civil/hegemonia". Nos dois casos - comunismo, fim do Estado -, pode-se ver que o conceito gramsciano de sociedade civil desempenha um papel decisivo. 

A revolução socialista no Ocidente

Pode-se dizer que a pesquisa gramsciana contida nos Cadernos buscava encontrar uma resposta séria para o seguinte problema: por que o movimento comunista não conheceu outra vitória na Europa depois da Revolução Russa? Nada mais falso, sobre isso, do que a idéia difundida de que o marxismo não pensa a política. Na verdade, ele pensa a política porque é capaz de analisar as transformações sofridas pela sociedade e porque suas periodizações levam a formulações políticas gerais, que resumem como era ou não possível fazer política num determinado período. Assim, o conceito de "revolução permanente" é um conceito político, de natureza estratégica, que se impôs até depois da revolução de 1848, em função das condições políticas existentes no período que vai de 1789 até depois de 1848. 

Esta palavra de ordem "científica" é então substituída e superada pela de "hegemonia civil" - e essa mudança tem lugar por causa das transformações ocorridas na sociedade. A arte política torna-se capaz de uma estratégia fundada na substituição da "revolução permanente"  pela busca da "hegemonia civil", o que ocorre no momento em que o Estado não se reduz mais ao simples aparelho coercitivo de governo, mas é completado por um aparelho hegemônico que se desenvolve à medida que as forças produtivas e a participação política se socializam.  Formações sociais "orientais" como a Rússia czarista e formações ocidentais como na Europa conhecerão igualmente as estruturas massivas da democracia. 

Manifesta-se assim a riqueza heurística dos conceitos gramscianos. A ocidentalização das sociedades leva aos desenvolvimento das "sociedades civis"  no Estado, e este, assim transformado, impõe uma alteração na arte política similar à ocorrida na arte militar: da guerra de movimento (ou de manobra) passa-se cada vez mais à guerra de posição. Os elementos de "sociedade civil" são como as trincheiras e casamatas da guerra de posição - e sabe-se agora que, por trás das trincheiras, encontra-se solidamente implantado um sistema de defesa que resiste às intervenções ofensivas habituais. O mundo mudou. Da "revolução permanente" de antes de 1848 restam apenas alguns "resíduos blanquistas".  

A estratégia de Gramsci revela-se magistral, sempre a partir da fecundidade heurística do conceito de "sociedade civil": "Um grupo social pode e, aliás, deve ser dirigente já antes de conquistar o poder governamental (esta é uma das condições principais para a própria conquista do poder); depois, quando exerce o poder e mesmo se o mantém fortemente nas mãos, torna-se dominante mas deve continuar a ser também ‘dirigente" (cit. por Coutinho, p. 115). 

Uma vez apresentados os conceitos fundamentais, nosso autor se empenha num  relato aparentemente rigoroso das batalhas que Gramsci teve de travar para fazer triunfar sua nova estratégia. Quando muito, faremos uma observação crítica. Coutinho relata corretamente as lutas do III Congresso da Internacional Comunista (1921) e a significação da palavra de ordem da "frente única" aprovada neste Congresso. Mas por que ele apresenta em seguida (p. 116, nota 9) Gramsci como defensor das formulações leninianas de 1921 "contra Trotski, mas também contra Stalin"?  Salvo erro de minha parte, em 1921, no III Congresso da IC, Trotski estava ao lado de Lenin na elaboração e defesa da "frente única".

Antes de abordar o item que expõe o conceito de "revolução passiva", gostaria de chamar a atenção para a riqueza e o enorme interesse das três páginas (p. 118-20) nas quais Coutinho expõe os conceitos gramscianos de "crise orgânica", de "crise de hegemonia" e da capacidade de "fazer política" que leva a classe operária a tornar-se "classe nacional", e, para fazer isso, a tornar-se partido político ou o "Príncipe moderno".

Sobre o conceito de revolução passiva

Estamos diante, talvez, de um dos conceitos mais importantes do pensamento político gramsciano, ou, pelo menos, de um daqueles que vem sendo cada vez considerado como tal.  Ele tem sua origem em Vincenzo Cuoco, mas tem em Gramsci um conteúdo próprio que lhe serve, inicialmente, para pensar o Risorgimento italiano. Numerosos autores o utilizaram, a começar por Christine Buci-Glucksmann e Göran Therborn, que dele se serviram para pensar a socialdemocracia e o Welfare State. 

Pode parecer fácil opor a revolução passiva a uma revolução que, ao contrário, funda-se na atividade das massas a partir de baixo.  A Revolução Francesa é uma revolução popular e jacobina; o Risorgimento, ao contrário, é caracterizado pela ausência de iniciativa popular, mas também pela reação das classes dominantes à possibilidade de uma tal participação do povo. Neste sentido, a expressão "revolução-restauração", freqüentemente empregada como sinônimo de revolução passiva, é bastante esclarecedora. A idéia de restauração introduz a idéia de concessões feitas pelas classes dominantes às classes subalternas. Trata-se, de certo modo, de entregar os anéis para não perder os dedos. 

A sucessividade é, quanto a isso, importante: o Risorgimento vem depois da Revolução Francesa, como forma moderada de instauração do Estado moderno. Do mesmo modo, o fascismo pode ser pensado como revolução passiva, se não se perde de vista que ele vem depois da Revolução de Outubro e que, sem abolir as formas privadas de propriedade, introduz como perspectiva formas de economia planejada. Poder-se-á encontrar o mesmo tipo de concessão no americanismo, concebido também como revolução passiva.

No prolongamento da análise das revoluções passivas, Coutinho chega naturalmente a um exame do "transformismo", ou seja, dos métodos pelos quais as classes dominantes decapitam as classes subalternas. E, para concluir, ele deixa claro que a revolução passiva não pode ser de modo algum considerada como um programa positivo para estas últimas.

O último capítulo, que examina a relação de Gramsci com seus herdeiros, como Togliatti e Ingrao, permite um esclarecimento sobre a delicada questão da democracia e do pluralismo. 

 



Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil.

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