A morte do senador Antonio Carlos Magalhães tem dado lugar a uma série de especulações sobre possÃveis implicações de sua saÃda de cena sobre a polÃtica brasileira e, de modo particular, sobre a baiana.
Na polÃtica nacional era já visÃvel que sua influência pessoal desbotara. Isso não fazia dele um polÃtico desimportante, mas já retirara de si a aura plenipotenciária que ostentou até passado bem recente, graças ao simbolismo carismático que cultivou ao longo de sua vida pública e a recursos de poder de que objetivamente dispôs mediante alianças com outras personalidades e correntes relevantes e hegemônicas da elite polÃtica nacional.
Já no que se refere à polÃtica baiana, uma combinação do simbolismo acima referido com o fato de seu grupo polÃtico ter ocupado o governo estadual por longo tempo, até o ano de 2006, uma considerável desinformação a respeito do que realmente se passa naquele Estado e, ainda, um viés regionalista que insiste em pensar a polÃtica brasileira como resultado de uma oposição entre regiões "modernas" a "atrasadas", tudo isso fez com que importantes "formadores de opinião" tratassem o episódio de sua morte como se fosse a de um monarca.
Para começo de conversa, a rigor não existe herança. Este debate está fora de foco pois não há trono a ser transmitido, embora haja o patrimônio simbólico. Nem mesmo o deputado ACM Neto, herdeiro de sangue desse carisma, pode aspirar ao tipo de poder que Antonio Carlos Magalhães possuiu um dia, já que as arenas polÃticas institucionais, em sua configuração competitiva, e a sociedade, politicamente mais madura, negam hoje lugar a situações dominantes do tipo da que se firmou na Bahia até a década passada.
Além do mais, Antonio Carlos Magalhães morreu fora do poder - em BrasÃlia e na Bahia - e seu "espólio" polÃtico passara a ser parcialmente gerenciado por seus correligionários ainda com ele vivo. Desde 2001 sequer comandava mais o seu próprio grupo de modo unipessoal. As decisões mais importantes do grupo carlista há tempos são tomadas mediante tensões, conflitos e acordos polÃticos em sua cúpula. E se nos últimos anos do regime militar e durante os anos 90 o carlismo era, por assim dizer, a elite polÃtica estadual, e o grupo ocupava todo o espaço dentro e fora do governo, desde ao menos o mesmo ano de 2001 que na Bahia já há um formato bipolar de competição polÃtica.
Também já fazia parte do passado o tempo em que os segmentos sociais de influência sobre o poder polÃtico na Bahia estiveram quase todos articulados exclusivamente aos carlistas. Tempo em que o senador ACM dirigia o grupo verticalmente, hierarquicamente, concentradamente, personificadamente, apenas com a parceria do seu filho, Luiz Eduardo Magalhães. A última decisão unilateral e impositiva do chefe foi a escolha do hoje senador César Borges como candidato ao governo em 1998, no lugar de Luiz Eduardo, ali falecido. Na atual década, o senador, mesmo quando afinal fazia prevalecer suas posições, foi sempre levado a negociar, ao menos com o depois governador Paulo Souto, o ex-prefeito Imbassahy e o deputado Aleluia.
O jargão do jornalismo baiano introduziu as expressões "carlistas" e "soutistas" para nomear, respectivamente, deputados e lideranças municipais que seguiam, "ortodoxamente", o comando do senador e aqueles que se declaravam liderados de Souto, ao menos enquanto este foi governador. Mas esta nomenclatura superestima o "soutismo" e estreita a definição de carlismo, dando ao primeiro termo uma autonomia significativa que na verdade não tem e reduzindo o segundo termo a um significado personalizado refém da figura do senador ACM.
Com isso desarma-se a análise de aspectos mais cruciais e permanentes para o entendimento do grupo e do tipo de polÃtica que por longos anos foi dominante e hegemônica na Bahia. Para evitar tal engano, procuro chamar de carlismo pós-carlista o conjunto daqueles correligionários de ACM, seus outrora comandados, que com ele travavam, nos últimos anos, relações concomitantes de parceria e disputa. Ao usar esse termo, observo que o apelo do adjetivo não deve obscurecer a primazia do substantivo: carlistas, pois, são todos eles, pelo que segue.
O ex-governador Paulo Souto não é e nunca foi dissidente. Hoje é o presidente do DEM no Estado e reproduz a polÃtica carlista. O deputado Aleluia, em que pese ter tido sempre, em nÃvel nacional, uma autonomia não usufruÃda pelos outros liderados e aliados de ACM, em termos de polÃtica baiana também nunca se desalinhou. E o ex-prefeito Imbassahy, que foi pessoalmente hostilizado por ACM, jamais reagiu com uma ruptura polÃtica ou mesmo com crÃticas explÃcitas sequer ao "estilo" pessoal do senador. Sua migração para o PSDB, um ano antes das eleições de 2006, foi tentativa frustrada de espalhar a influência do carlismo pós-carlista para áreas da então oposição. Pagou com a derrota a aventura de se candidatar ao Senado, anunciando uma terceira via anódina e desprovida de enraizamento social diante da bipolaridade real da polÃtica baiana, entre o carlismo e o campo liderado pelo PT. Hoje aproxima-se do deputado ACM Neto, tentando apoio para voltar à Prefeitura de Salvador, supondo ser mais confiável ao carlismo "ortodoxo" do que o deputado Aleluia, aparente aspirante ao mesmo cargo, pela banda "soutista".
Mas, se esses polÃticos são - divergências de interesse à parte - uma só corrente polÃtica, é preciso tentar delinear o perfil dessa corrente. O carlismo pode ser visto sob três ângulos: como poder pessoal de ACM, como o grupo polÃtico que ele comandou por muito tempo e como a polÃtica expressiva da versão baiana da modernização conservadora brasileira.
Sob o primeiro ângulo o carlismo é objeto da História. Deixou de existir desde o inÃcio da atual década, quando ACM deixou de ser comandante exclusivo do grupo. Como história encerra, porém, aspectos controversos que aqui cabe assinalar, pela sua vinculação com traços mitológicos que costumam caracterizar discursos a favor e contra o polÃtico Antonio Carlos Magalhães.
Tornou-se costume confundi-lo, a meu ver erroneamente, com um "coronel". Mesmo que aqui e ali se faça ressalvas e tente-se adaptar o conceito ao personagem através de adjetivos como "urbano", "eletrônico" e "reciclado", é forte no imaginário - letrado ou não - a associação substantiva daquele polÃtico à imagem de um "coronel", com todo o séquito de imprecisões e enganos que a sobrevivência desta etiqueta causa, na contramão do conceito.
De tudo o que pude estudar sobre a trajetória e a polÃtica de Antonio Carlos Magalhães, depreendo que ele sempre foi um homem do Estado, que estava do outro lado do balcão, que passou a subordinar os "coronéis" municipais ao seu poder pessoal e à modernização econômica, conquanto se parecesse com eles no comportamento despótico.
A imagem de coronel foi criada por adversários um tanto ingênuos, mas ele nunca gostou de ser chamado assim. Gostava de ser "revolucionário" de 64, modernizador, empreendedor, costumava fazer discursos maniqueÃstas contra os que considerava polÃticos corruptos, jactava-se de, em seus governos, não "negociar cargos" com as correntes polÃticas e gostava de dizer que escolhia os auxiliares por competência.
Creio que ele pode ser qualificado como modernizador, do ponto de vista econômico, um polÃtico conectado ao capital, no sentido amplo, não determinista, da conexão, isto é, a ação que concilia seus interesses polÃticos com os de setores hegemônicos do capitalismo brasileiro, a cada época. Assim, contracenou com a construção civil nos anos 60/70, depois com o capital petroquÃmico, a indústria das telecomunicações e, mais recentemente, com o mundo da cultura, em sua intersecção com a "indústria" do entretenimento. Não se tem notÃcia de envolvimento importante seu com interesses passadistas, do ponto de vista econômico.
Mas politicamente era, claro, um autocrata, um conservador com concepção vertical da polÃtica e foi, muitas vezes, truculento. O traço despótico da personalidade era, no caso, funcional ao exercÃcio da concepção vertical, pela qual processos decisórios são atribuições exclusivas da elite dirigente, cujo protagonismo, fundado em atitudes pragmáticas, é condição suficiente para o êxito das estratégias modernizantes. Tal atitude polÃtica pode, como a trajetória de ACM demonstra, adaptar-se tanto a contextos institucionais autocráticos quanto de competição democrática. Neste último caso o povo (os cidadãos) teria, no máximo, o papel que lhe é reservado por certa versão do elitismo competitivo, ou seja, escolher e depois aclamar a elite governante. Ao se definir nestes termos a atitude de ACM, conclui-se que não seriam tantos os polÃticos e partidos brasileiros que lhe poderiam atirar a primeira pedra.
Sob o segundo ângulo de definição - a de ser o grupo polÃtico que foi comandado por Antonio Carlos Magalhães - o carlismo é um ator do presente, na polÃtica baiana e na polÃtica nacional. Se bem que, na sua atual fase, o grupo tenha recuado a um padrão de atuação bem mais restrito ao plano estadual, em comparação ao padrão expansivo dos anos 90.
Têm sido muitas as especulações sobre o destino desse grupo polÃtico, em geral cogitações, ou mesmo vaticÃnios, de que se fragmentará, por força da falta do chefe. Sendo coerente com o que foi afirmado anteriormente (que o chefe já não mais chefiava sozinho e que assistiu, em vida, seus parceiros/concorrentes gerenciarem e compartilharem o seu espólio), não creio que se possa apostar nem na direção da fragmentação nem na da coesão do grupo.
De um lado, as circunstâncias adversas (primeira vez que fica fora do poder, simultaneamente, nos planos estadual e federal) parecem dar plausibilidade à hipótese da fragmentação, mas as diretrizes adotadas e os passos ensaiados pelos principais atores do grupo no presente apontam no sentido contrário. Sem embargo de tensões entre interesses conflitantes, até aqui têm prevalecido soluções de compromisso. Exemplo disso foi a escolha de Paulo Souto para presidir o diretório estadual do DEM, a despeito de ter sido a bancada "soutista" e não a "carlista ortodoxa", aquela que mais sofreu defecções após a derrota eleitoral, a ponto de hoje, na correlação de forças interna, ser ela evidente minoria nas bancadas carlistas, tanto na Assembléia Legislativa, quanto na Câmara dos Deputados, sem falar no Senado, onde os dois representantes do grupo são "ortodoxos".
Se Paulo Souto, mesmo assim, é o presidente do partido, isso sinaliza que o conjunto do grupo não está disposto a abrir mão da sua reputação de bom administrador, virtual passaporte a uma nova candidatura ao governo do Estado, em 2010. Se e até quando este delicado equilÃbrio interno se manterá é difÃcil dizer, mas a meu ver não se pode subestimar o poder de persuasão que a polaridade básica entre o bloco do PT e o carlismo exerce sobre atores polÃticos que não parecem inclinados a repetir aventuras de terceiras vias.
Se deixarmos de lado especulações sobre o futuro e examinarmos o carlismo, enquanto grupo polÃtico atuante no momento presente, o traço forte é, então, a busca de manter a coesão (não necessariamente a unanimidade), em nome da identidade do grupo, sem a qual o uso eleitoral do patrimônio simbólico de ACM corre o risco de se pulverizar e, neutralizado, resultar em proveito de ninguém. Por outro lado, esta identidade tem incorporado, cada dia mais, um retoque importante: sintonia fina com a polÃtica nacional do DEM, estratégia diferente da que foi adotada por ACM em muitos momentos, quando buscava justamente singularizar-se no interior do PFL.
De todo modo, é bom frisar que, quanto à dinâmica dos grupos polÃticos, a morte de ACM, mais pelo seu simbolismo, pode criar fatos novos e acelerar movimentos de realinhamento, mas não cria, de fato, cenário novo na polÃtica baiana. Creio, sim, que dê cores mais nÃtidas ao formato bipolar de competição que se configurava desde 2001 e que se firmou em 2006, em contraponto ao da unipolaridade da década anterior. Os movimentos que ora se observa, na seqüência da morte do senador, estão balizados por este cenário preexistente, de traços estruturantes. Não se deve perder isso de vista, para que não se queira fazer da polÃtica estadual um objeto gelatinoso e ziguezagueante, que a cada fato ocorrido requisita uma teorização particular.
Finalmente cabe examinar a definição do carlismo sob um terceiro ângulo: o de um modo de atuação polÃtica enraizado de modo particular na Bahia, embora não estranho à polÃtica nacional. Aqui se delineia, de fato, uma discussão sobre o futuro de um carlismo com aspas porque, sob este terceiro ângulo de definição, o significado da expressão pode transcender não só a pessoa de ACM, como o próprio grupo carlista e encarnar-se, inclusive, em adversários seus. O tempo, nesse caso, será o senhor da razão, mas para que tal conjectura não pareça só provocação, passemos a argumentar a seu favor.
Em que consiste este "carlismo", enquanto modo de atuação polÃtica? Primeiro, não se pode definir a polÃtica carlista pensando só na Bahia. Antônio Carlos Magalhães sempre fez polÃtica inserido em um campo polÃtico nacional. Durante sua trajetória de 50 anos de vida pública esteve sempre desse mesmo lado. Não procede a imagem de que fazia polÃtica olhando apenas para o seu umbigo e que mudava de lado somente de acordo com suas conveniências pessoais imediatas.
PolÃtico "orgânico" da modernização conservadora, ele fez esses movimentos no mesmo momento em que o campo polÃtico em que se inseria operava mudanças idênticas. Basta ver a lista de liberais brasileiros que, a exemplo dos então udenistas baianos, aderiram à conspiração golpista no imediato pré-64; ou a de quadros polÃticos do regime militar que desembarcaram, como ACM, no porto mais seguro da Aliança Democrática; ou ainda o número expressivo de ex-desenvolvimentistas que, como ele, aderiram à lógica semineoliberal na era tucana.
O carlismo é a versão baiana da modernização conservadora brasileira. Existe em outros lugares, de outras formas, com outros nomes. Este tipo de polÃtica não sairá de cena e poderá predominar sempre quando lideranças conservadoras forem predominantes no PaÃs. Por isso é que, neste momento, os ventos da polÃtica nacional são decisivos para a polÃtica na Bahia.
Assim como tentar explicar o poderio que teve Antonio Carlos exclusivamente a partir das caracterÃsticas da Bahia é insuficiente, também o é tentar prever o futuro desse seu modo de atuação polÃtica sem considerar o elemento nacional. O carlismo foi feito de temperos fabricados Brasil afora. Seu "estilo" não é só pimenta baiana, é sal antigo da polÃtica brasileira. Preconizar a modernização econômica ao lado do conservadorismo polÃtico não foi nem é apanágio de Antonio Carlos, por mais que seu estilo pessoal fosse exemplo eloqüente desta mistura. Se é inegável que ele se tornou um lÃder popular apesar (ou por causa) de sua concepção autocrática do poder, esta é algo entranhado nas instituições e cultura polÃticas da Bahia, mas não só lá.
A tradução baiana deste mix é contudo, peculiar. A visão vertical da polÃtica, como já assinalado, confere, no discurso, primazia à administração sobre a polÃtica e, no âmbito desta, reserva ao povo apenas a atribuição de votar para escolher os governantes. Tudo o mais é razão da obra da elite dirigente, que se pensa competente, ágil, resoluta e age sem escrúpulos éticos diante de "inimigos", sejam eles adversários polÃticos ou grupos sociais não integrantes de suas redes de lealdade. Ausentes também se fazem as boas maneiras, quando se trata de impor disciplina a seus próprios quadros polÃticos, submetidos a rÃgida hierarquia, segundo critérios combinados de fidelidade, peso eleitoral e competência polÃtica, nesta ordem.
Toda essa concepção autocrática se quer legitimada pela evocação dos "interesses da Bahia". Movida pelo "amor à terra", a elite dirigente revoga ou criminaliza o contencioso polÃtico, movendo uma guerra santa a toda dissensão e a todo sinal de controvérsia, fatos previsÃveis numa sociedade complexa e modernizada pela ação dessa própria elite. O carlismo, como polÃtica, quer o "moderno" sem pagar politicamente por ele. E o resultado desse despotismo esclarecido apenas quanto aos próprios interesses é a legitimação aclamativa, que inibe o pluralismo polÃtico e esteriliza o espaço público. Esta a maior herança do carlismo, que pode inclusive ter herdeiros hoje não evidentes, a depender da estratégia polÃtica da aliança de partidos e lideranças que hoje governa a Bahia e do rumo administrativo do Estado.
Aà mergulhamos mais fundo no futuro, mas não deixa de haver pistas. As urnas de 2006 deram ao PT e seus aliados, com destaque para o PMDB do hoje ministro Geddel Vieira Lima, a prerrogativa de ocupar os postos de governo. Mas a questão da liderança polÃtica mais ampla do Estado e do seu formato de competição permanece em aberto e necessita de uma seqüência de processos, inclusive eleitorais, para se definir mais estavelmente. Até que saibamos, afinal, se o espaço da liderança baiana será ocupado mediante revezamento competitivo de elites diversas ou se por um novo mix candidato à (quase) unanimidade, resultado da reciclagem semântica da elite carlista.
Sinais numa e noutra direção existem no contexto atual do governo Wagner, seja no seu discurso polÃtico, seja nas suas relações institucionais, seja nas polÃticas setoriais que começa a implementar. Analisar de per si esses sinais é procedimento que foge aos limites deste texto, mas que precisa ser feito, sem demora, para que não se perca a necessária perspectiva crÃtica sobre a desafiadora missão do novo governo estadual.
Por ora basta que nos acautelemos contra os discursos de morte ao carlismo. A que ângulos da definição de carlismo esta sentença de morte se dirige? Se ao poder pessoal de ACM, o discurso, já antes anacrônico, agora é supérfluo; se ao grupo polÃtico que lhe sobrevive, pergunto a que serve o seu desaparecimento? Certamente não à saúde democrática da Bahia, carente de um pluralismo mais consistente. A esta servirá, sim, que a linha divisória entre governo e oposição se conserve nÃtida e resistente a tentações de cooptação. Porque, se o governo Wagner, pensando em 2010, decidir fazer da cooptação uma estratégia, pode até ter êxito na destruição do grupo carlista, mas o preço desse êxito pode ser incorporar, ao grupo governante e ao âmago de sua polÃtica pública, o modo carlista de fazer polÃtica e, junto com ele, a elite polÃtica que o professa e os interesses sociais que dele se beneficiam.
Se a retórica do fim do carlismo tiver como alvo a polÃtica carlista definida a partir daquele terceiro e mais amplo ângulo de observação, ainda assim será, em sua pretensão eliminatória, politicamente estreita e pouco tolerante para com o pluralismo polÃtico, mas ao menos dirá ao governador que sua missão agora é, mais que priorizar 2010, governar bem e começar a estabelecer, através seu governo, um contraponto aos 16 anos de poder carlista na Bahia.
Esta hipótese contém um aspecto que pode se constituir numa veleidade, qual seja o de estabelecer, na Bahia, um contraponto didático também ao pragmatismo mais ou menos radical que tem caracterizado a práxis governativa petista em governos subnacionais e no federal e que tem cozido em fogo brando boa parte das expectativas de mudança que o partido suscitou.  Desse eventual contraponto dependeria, talvez, a ocupação por uma nova elite polÃtica estadual, de um espaço, no plano federal, análogo, em termos de relevância, ao que o carlismo ocupou, em seus bons tempos.
Resta saber se existem condições para esta solução demarcatória ou se, para além de uma suposta decisão polÃtica neste sentido do PT baiano (ela própria pouco nÃtida), vão jogar papel forte no interior da aliança governista a lógica da cooptação (compartilhada por cooptantes e cooptáveis) e/ou o balizamento da estratégia estadual pela polÃtica nacional.
Neste último terreno são também legÃtimos os receios, face a recorrentes visitas do governo Lula - bússola polÃtica assumida pelo governador Wagner e pelo ministro Geddel - ao repertório polÃtico da modernização conservadora brasileira. Se for este o caminho, pósteros cultuadores do carisma do senador Antonio Carlos terão motivos para achar que sua morte não foi em vão.
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Paulo Fábio Dantas Neto é professor do Departamento de Ciência PolÃtica da UFBA e autor de Tradição, autocracia e carisma: a polÃtica de Antonio Carlos Magalhães na modernização da Bahia (1954-1974). Belo Horizonte: UFMG; Rio de Janeiro: Iuperj, 2006, e "O carlismo além de ACM: estratégias adaptativas de uma elite polÃtica estadual". In: Souza, Celina e Dantas Neto, Paulo Fábio. Governo, polÃticas públicas e elites polÃticas nos estados brasileiros. Rio de Janeiro: Revan, 2006.