O conceito de econômico-corporativo tem, em Gramsci, uma posição estratégica. Ele aparece em vários pontos dos
Cadernos para representar e descrever situações bastante diferentes entre si: aparece como obstáculo à constituição de uma vontade nacional-popular na história italiana, como sinal de uma agregação restrita de interesses imediatos a serem superados na unidade polÃtica de um partido, e, em geral, como indicativo de uma situação na qual à escassez dos elementos superestruturais (de consciência, de cultura, de polÃtica, de hegemonia) corresponde o domÃnio imediato de uma situação estrutural, elementar, restrita, incapaz de expansão.
À parte os usos diferentes, os diferentes campos de aplicação em que surge, ele parece se mostrar como o oposto exato do conceito de hegemonia. Uma força (um Estado, um partido, uma filosofia) atravessa e vive uma fase econômico-corporativa enquanto ainda não atingiu a fase hegemônica ou de expansão ativa. Se Estado ou partido, enquanto reflexo de um primitivismo econômico que impede a libertação e a expansão de uma consciência geral; se idéia ou filosofia, o caráter "corporativo", que, por metáfora, se pode aplicar a ela, consiste no caráter mecânico da interpretação que ela dá de si, ao se ver como um reflexo mecânico e imediato das coisas em sua fatal evolução e não naqueles elementos de vontade e de devir que constroem sua possÃvel relação ativa e histórica com a realidade.
Toda agregação histórico-humana parece ter de atravessar necessariamente uma fase econômico-corporativa, ou seja, uma fase na qual a estrutura econômica só se reproduz a si mesma e a forma de consciência relativa é extremamente elementar: um comerciante, escreve Gramsci para exemplificar este momento, "[...] sente que deve ser solidário com outro comerciante, um fabricante com outro fabricante, etc., mas o comerciante não se sente ainda solidário com o fabricante; isto é, sente-se a unidade homogênea do grupo profissional e o dever de organizá-la, mas não ainda a unidade do grupo social mais amplo".
Pode-se dizer que a fase econômico-corporativa não chega ainda à esfera claramente polÃtica. Esta esfera assinala, com efeito, a passagem da estrutura à esfera das superestruturas complexas, nas quais o nÃvel de unificação dos grupos e da sociedade é bem mais alto e universal. Um verdadeiro projeto estatal não pode deixar de ser, por exemplo, um projeto hegemônico; uma filosofia que realize um terreno de unificação histórica geral não pode deixar de se desvincular do mecanicismo que constitui sua fase primitiva, para se propor também a tarefa de uma luta pela hegemonia. Estado e filosofia são os momentos essenciais daquelas superestruturas complexas, que emergem e se tornam ato histórico concreto quando os grupos sociais corporativos (e também as classes em Gramsci atravessam esta fase) chegam à luta polÃtica e se estabelecem num terreno que é, em alguma medida, universal. Nenhum Estado venceria se não tivesse em si esta dimensão.
Mas como ocorre esta desvinculação do terreno do econômico-corporativo? Como uma força se insere na dimensão polÃtica geral? Como uma filosofia (e, em particular, como a filosofia da práxis) vence o fatalismo e se torna ato histórico ativo, devir, unidade histórica de teoria e prática? Aqui, o tema da superação do econômico-corporativo encontra a questão dos intelectuais e da constituição daquela força jacobina eficiente que suscita e organiza a vontade coletiva nacional-popular e fundou os Estados modernos. Esta é uma passagem necessária para atingir a dimensão hegemônica: toda a reflexão dos Cadernos pode ser resumida a esta passagem, com atenção particular e apaixonada pelas tarefas do moderno PrÃncipe e pela fundação do Estado operário, daquele Estado operário que, em sua primeira forma histórica, soviética, tem dificuldades em ir além do primitivismo econômico-corporativo: é o juÃzo iluminador de Gramsci sobre os resultados da Revolução de Outubro.
A partir daqui, uma vez alcançado o ponto da hegemonia, a própria e restrita base econômico-corporativa se modifica e amplia. A hegemonia implica, antes de tudo, fortes atos estruturais e, numa só expressão, a fundação de uma economia historicamente adequada ao sentido histórico da hegemonia, que, caso contrário, corre o risco de permanecer nas nuvens. Mas esta economia que deriva de, e se liga a, uma situação hegemônica já é coisa diferente daquele restrito terreno que deu vida à idéia do econômico-corporativo. E o terreno de análise se abre para outros horizontes.