A análise da cultura "popular" (ou seja, daquela própria das classes subalternas) é um momento essencial do pensamento de Gramsci. No centro dos
Cadernos do cárcere, existe a convicção de que, naquela fase de derrota do movimento operário e, portanto, de "guerra de posição", era necessária uma batalha cultural que constituÃsse um bloco histórico capaz de obter a hegemonia: o momento do consenso indispensável para chegar ao do domÃnio.
Nesta perspectiva, tornava-se central o estudo não só do papel desempenhado historicamente pelos grupos intelectuais, mas também da mentalidade e da cultura das classes populares até então mantidas distantes do poder e da cultura.
Para Gramsci, aquela cultura (no sentido amplo: concepção do mundo) é essencialmente "folclore": um conceito e um termo pelos quais ele não sente a complacência generosa, mas interessada, dos românticos, muito menos a mistura de desprezo substancial e de mitificação estetizante dos decadentes.
Gramsci, apesar do que já se afirmou com fatuidade arrogante, não era "populista", e "folclore" é, para ele, um conceito negativo. O folclore, constituÃdo como é, em grau máximo, pelos resÃduos da cultura hegemônica, é sempre "contraditório e fragmentário"; aproxima-se do "provinciano" por ser particularista e anacrônico; representa "uma fase relativamente enrijecida dos conhecimentos populares de uma certa época e lugar" (CC, v. 2, p. 209); corresponde à quilo que é, em filosofia, o senso comum, isto é, "uma concepção [...] desagregada, incoerente, inconseqüente, conforme à posição social e cultural das multidões das quais ele é a filosofia" (Ib., v. 1, p. 114). Portanto, não é nem pode ser "nacional", se nacional for apenas uma cultura contemporânea e de nÃvel mundial ou pelo menos europeu (Ib., v. 6, p. 231-2). E tarefa da filosofia da práxis, como "expressão" das "classes subalternas" (Ib., v. 1, p. 388), é precisamente "educar as massas", libertando-as da sua cultura atrasada e levando-as a uma visão do mundo moderna e universal.
Portanto, duas teses só aparentemente divergentes; desvalorização da cultura popular devido ao seu atraso, mas também reconhecimento da sua seriedade (Ib., v. 6, p. 136) e da necessidade de estudá-la, se se quiser realizar "um cálculo mais cauteloso e exato das forças agentes na sociedade". E, por isso, Gramsci, mesmo com os instrumentos limitados à sua disposição, formula as premissas para um estudo da cultura popular, novo no método, na escolha e na análise do material, nas conclusões. Elabora critérios metodológicos que levem em conta as caracterÃsticas peculiares das classes subalternas e das suas estruturas sociais e mentais (Ib., v. 2, 206-7; v. 5, p. 135), bem como diferenciem as suas exigências em relação à quelas das classes cultas e hegemônicas: o que é um ferro-velho na cidade - escreve de modo fiel à realidade - pode ser um utensÃlio útil na provÃncia. E empreende uma análise, inteiramente nova na nossa cultura, da literatura popular, estudando tanto os seus gêneros (o melodrama, o folhetim, o romance policial, o romance de suspense), quanto os instrumentos de produção e difusão (os editores populares), autores particulares (Guerrazzi, Mastriani, Invernizio, etc.), algumas obras e a sua circulação.
Os limites destas investigações residem, como é natural, tanto na sua própria novidade e, por isso, na falta de modelos, quanto nas condições em que Gramsci trabalhava. E, por isso, se muitas das suas análises ainda hoje são de penetrante atualidade, outras parecem imprecisas, destituÃdas de demonstração, não convincentes. Mas restam a novidade genial das teses básicas, o pressuposto da necessidade de um sistema literário orgânico, no qual todos os nÃveis tenham um lugar e sejam vistos nas suas implicações recÃprocas, o inÃcio de um tipo de investigações e de estudos que já deu muitos frutos e ainda está em pleno desenvolvimento.